quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dossiê Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro

 
Em tempos de preguiça política e definição eleitoral, surge Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro de tapa na cara, murro no estômago, nó na garganta. Perdoem-me pelo anti-climax, mas saí do cinema após alguns dias do primeiro turno de uma eleição marcada por troca de acusações demais e discurso político de menos, engasgada.
 
Os sentimentos despertados pelo brilhante Tropa de Elite  permanecem: a realidade corrupta por parte da Polícia Militar ainda choca, a bomba relógio das facções criminosas espalhadas nas favelas e penitenciárias de alta segurança do Rio de Janeiro ainda preocupa, a brutalidade com que o ser humano é tratado por criminosos e agentes do governo (ainda que justificável...) ainda dói. O brilhantismo do ator Wagner Moura na pele de um Capitão Nascimento mais melancólico permanece. O sentimento de revolta e senso de justiça num sistema marcado pela corrupção e impunidade é aguçado a medida que se desenrola a luta do herói Capitão Nascimento e anti-herói  Diogo Fraga contra um novo modelo de Máfia que extorque, chantageia, ameaça e mata, instalado pelas Milícias e por políticos de colarinho branco. O inimigo agora é outro extrapola o combate à violência e ao tráfico nas favelas e toma esfera e provocação moral.
 
Saio do cinema incomodada, provocada. E curiosa. Curiosa se o governo teve peito para investir recursos num filme que escancara a verdade obscura de um sistema sujo nomeado por votos e sustentado por um governo contaminado. Curiosa por ligar atos e fatos da triste realidade do Rio de Janeiro à trama montada no filme. Curiosa por traçar um paralelo entre os personagens corrompidos ilustrados na ficção com as personalidades ilustres ou não tão ilustres que vemos nos jornais envolvidos em escândalos diários. E minha maior curiosidade foi saber se existe na vida real uma personalidade que se equipare ao personagem Deputado Diogo Fraga, num papel de “Intelectualzinho de esquerda”, “Che Guevara” “ativista dos direitos humanos” e suposto “defensor de bandidos”. E nada como um fim de semana com cariocas sob o gosto amargo da realidade do Rio de Janeiro, pra conhecer um pouco mais de fatos e teorias (algumas com ares de teoria da conspiração) por trás das telas.

Entre discussões acaloradas sobre as referências da vida real que deram origem aos personagens, tecem teorias e fazem um exercício interessante de “dar nome aos bois”. As opiniões se dividem sobre qual governo foi pano de fundo para o filme: A abertura das Milícias se associa ao governo Garotinho/Rosinha e todos os escândalos que trouxe consigo ou tem vestígios do atual governo de Sérgio Cabral e sua polêmica participação em festas de favela no melhor estilo miliciano conforme vemos no filme? Os personagens de Guaracy, secretário da segurança e do PM corrupto Rocha referenciam uma série de nomes ligados aos esquemas e escândalos das Milícias (ex-chefe da Polícia Civil Àlvaro Lins, recentemente preso acusado por lavagem de dinheiro, corrupção e participação de quadrilha; Marcelo Itagiba eleito deputado federal sob suspeita do apoio dos milicianos e envolvido em escândalos; Os deputados Jerominho, Nadinho e outros "inhos" que instauraram um poder de base miliciana na Favela Rio das Pedras... E outras várias personalidades acusadas dos mais hediondos crimes políticos e civis. Claro que vários desses ainda soltos). O poder da mídia na urna do apresentador sensacionalista Wagner Montes, recém eleito o deputado mais votado do Rio de Janeiro, ilustrado no filme na pele do apresentador e eleito deputado Fortunato (em tempo: Padilha descarta indícios de que ele tenha se envolvido nos escândalos das milícias como seu personagem no filme). Pelo paralelo, um tanto quanto real, que o filme traça com episódios de um passado não muito distante, como a rebelião e conflito de diferentes facções criminosas de Bangu 1 (na época liderado pelo Fernandinho Beira-Mar, e no filme na pele do ator Seu Jorge) ou com episódios envolvendo uma imprensa sensacionalista, corrompida a concessões públicas e ancorada em políticas partidárias como vimos no filme.

 “Apesar de possíveis coincidências com a realidade, esse filme é uma obra de ficção”, diz em branco no preto os letreiros da 1ª cena do filme. O diretor, porém, não esconde que TV Senado, TV Câmara e uma seqüência de troca de acusações e aberturas de CPIs foram sua principal fonte de material criativo. A trama tece uma mistura total e parcial de fatos, personalidades e escândalos da vida real. Entre verdades e meias verdades, a única inspiração real e declarada do diretor fica por conta do “Intelectualzinho de esquerda”, “Che Guevara” “ativista dos direitos humanos” e suposto “defensor de bandidos”, no papel do antagonista do filme, deputado Diogo Fraga. O personagem foi inspirado no deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), reeleito como segundo mais votado do estado do Rio. Sob ameaça e planos de atentado dos milicianos interceptados a tempo, teve proteção da polícia civil, andou de carro blindado e seguranças durante sua corrida eleitoral e considerou deixar o país caso não fosse reeleito. Professor de História, ativista declarado pelos Direitos Humanos, promoveu discussões sobre a situação carcerária do Brasil e intermediou rebeliões e conflitos nas penitenciárias de alta segurança do Rio de Janeiro ao lado do BOPE. Como deputado, instaurou a CPI das Milícias que prendeu centenas de milicianos,  promove debates importantes sobre segurança pública no Rio de Janeiro, tem um olhar crítico sobre o tão aclamado projeto de Pacificação instaurado pelo governo Sérgio Cabral, através das UPPs e estende a discussão para violência urbana e falhas no “sistema” do país e propõe e luta por mudanças estruturais na segurança pública. Reconhecem as semelhanças? A excelente performance do deputado  nas eleições refletem uma sociedade insatisfeita, insegura e incomodada com um modelo de corrupção, impunidade e formação de poderes indevidos. Enquanto São Paulo protestava votando no Tiririca, a população carioca deu seu voto a favor de uma voz ativa num governo corrompido. 
 
Esclarecidas as coincidências entre realidade e ficção e como captadora de recursos de agência de fomento (esse é meu trabalho, por sinal), curiosidade 2: Teria o governo financiado um filme que ataca o “sistema” na mais alta esfera política? A resposta é não, o filme não recebeu um centavo dos incentivos audiovisuais do país. A ironia fica por conta do próximo filme de José Padilha, “Nunca antes na História desse país”, com trama central no Mensalão: O filme foi contemplado pelo BNDES com 1 milhão de reais para a produção do filme. Agora é aguardar as reações e tentativas de intervenção de deputados, governadores e políticos com as mãos sujas sobre o novo filme. 
 
Num país onde a moral tem nuances entre o preto e o branco, que o filme nos leve a refletir e nos posicionarmos quanto a temas sérios e complexos como política, Direitos Humanos, segurança pública, problemas sociais, e um poder que corrompe e se reinventa. E num instinto natural de revolta e de busca por culpados numa realidade que assusta, o filme nos aponta o dedo e o incômodo antes causado com o inocente baseado acendido alimentando o tráfico nas favelas do 1º filme, agora dá lugar a mercadorias impalpáveis: o voto, o posicionamento partidário, a decisão pelo azulzinho ou vermelhinho. E em tempos de definição eleitoral e posicionamento partidário, o anti-climax e desconforto é geral até para os mais corretos dos cidadãos... O sistema é foda!

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