domingo, 24 de outubro de 2010

Pra não dizer que não falei das flores, política e Bolsa Família

Divido nesse blog as coisas que mais me encantam nessa vida. E política claramente não é uma delas. Porém, há alguns dias de terminar essa corrida presidencial que tomou ares de disputa de classes, regionalismo e intelecto, minha paixão por dossiê viagens foi tomada por um outro tema tão encantador quanto: desenvolvimento social. E impossível falar de desenvolvimento social do país sem falar de Bolsa Família e política social. Após algumas semanas de leituras aprofundadas e discussões calorosas, peço licença pra dividir no meu blog de experiências deliciosas um assunto com gosto amargo. Segue minha humilde opinião em forma de desabafo sobre meu posicionamento favorável ao Bolsa Família e os desafios sociais do próximo governo.
 
Começo esclarecendo que meu parecer favorável ao assistencialismo, assim chamado, às classes D e E no Brasil tem um "quê" de alívio burguês. É algo do  tipo “ok que o Bolsa Família banque um monte de prefeito de cidadezinhas no Nordeste que cadastrou sua família inteira no programa, enquanto o programa não chega no senhorzinho lá no fim da Paraíba... ok que o modelo seja sem critérios honestos e fiscalização devida... ok que o programa é forte ferramenta política e nova máquina de votos... ok que tem muita coisa errada no governo, no sistema, no modelo econômico, tributário, até empresarial do país. Mas ainda bem que meu dinheiro não vai pros cofres públicos muitas vezes mal gerido ou cofres privados de políticos corruptos ...

Infelizmente, não acredito no apelo inicial do programa que é colocar mais crianças na escola. Sou descrente demais com o ensino público atual pra acreditar que uma economia sustentável seja construída a partir de mais crianças matriculadas, sem que haja, de fato, mudanças e investimentos substanciais na Educação do país. E os números apurados comprovam isso: apesar do aumento de matrículas, queda no rendimento. Ainda assim, fico mais tranqüila com crianças nas escolas do que fora delas, nas ruas ou trabalhando no campo.

Mas acredito na redistribuição de renda. E portanto acredito no programa Bolsa Família. Conceitualmente redistribuição de renda é isso, certo?: tira de quem tem mais através de impostos (ainda que feito indevidamente, ainda que grande parte desse recolhimento seja mal administrado ou destinado à corrupção do país, ainda que tenha uma reforma tributária chorando pra ser feita...) e dá pra quem tem menos (através de investimentos a fim de proporcionar condições básicas de Saúde, Educação, Segurança necessárias para a sobrevivência e bem estar dos indivíduos; ou através de injeção de recursos direto – assistencialismo, como é chamado de forma pejorativa). É papel do Estado fazer isso. Uma das várias críticas que escuto ao programa é que o Brasil deixou de crescer em função dos vários bilhões investidos no Bolsa Família. Dos mais radicais, que o PIB cresceu aquém do que deveria graças ao assistencialismo (como se as classe s D e E devessem ser ignoradas enquanto o país cresce em ritmo “nunca antes visto na história desse país”). Dos menos radicais, que se o recurso direto fosse revertido em Educação, Saúde e Desenvolvimento, os benefícios seriam de longo prazo e sustentáveis. Aqui destaco 2 pontos: i) Infelizmente, existe uma classe econômica no Brasil que vive em situações tão precárias, que não adianta a economia acelerar, o país crescer a 2 dígitos ao ano, o consumo aumentar... o dinheiro não chega até essa classe, as condições de trabalho não melhoram, a informalidade não permite que tenham acesso a direitos trabalhistas previstos na constituição, o dinheiro não pinga no fim do mês pra comida na mesa ou cachaça no botequim. ii) Associado ao crescimento econômico, o programa é, sim, mecanismo de redução do abismo social e portanto um passo para o crescimento e desenvolvimento do país.

Não vou entrar na discussão política em si: Se foi o governo FHC que criou o embrionário Bolsa Escola, se o governo Lula deu proporção e repercursão ao transformá-lo no gigante Bolsa Família por questões puramente políticas ou se ainda permanece algum resquício de essência por justiça social, se o Bolsa Família tornou-se ferramenta de fidelização de eleitorado, se o atual governo utiliza manobras para alterar as regras do programa há poucos meses da eleição para não perder alguns milhões de candidatos (fim de dezembro de 2009: nova medida permite que as famílias cadastradas no programa e prestes a serem desclassificadas por desatualização cadastral ou por terem ultrapassado o teto de 140 reais de renda per capita, continuem a gozar do benefício até – pasmem! – 31 de outubro de 2010 – reconhecem a data?), se as demagogias usadas pelos presidenciáveis que continuam na corrida nesse 2º turno são absolutamente lamentáveis... Nesse jogo político, todos têm as mãos sujas e são culpados.

Fato é: ainda que o programa tenha surgido por jogada política ou motivos duvidosos, a semente Bolsa Família foi plantada e seja lá quem for eleito vê-se obrigado a, no mínimo, dar continuidade ao Programa em caráter de manutenção (e portanto continuar atingindo mais de 12 milhões de famílias). Ou pro jogo político ficar mais competitivo, expansão do programa (Se eleito, o Serra fala em dobrar o número de famílias beneficiadas... máquina de votos?).

Ainda que ocorram impactos relevantes nos cofres públicos e no crescimento do país, impossível fechar as portas do programa. E ainda bem! De duas, uma: ou o governo eleito cria mecanismos para tirar essas famílias da dependência do recurso direto, como porta de saída do assistencialismo (cursos profissionalizantes e criação de emprego ligados ao programa. À medida que o profissional se qualifica e se emprega, deixa de ter direito ao programa); ou o governo eleito terá de bancar milhões de família por prazo indeterminado. Fato é: Ainda que o programa precise ser aperfeiçoado, os critérios de seleção e controle refinados a fim de alcançar todos, e somente todos, que de fato precisam do auxílio, ainda que exista o grande desafio de desvincular a renda de milhares de famílias das “tetas do governo”... nenhum governo a partir de agora poderá ignorar a realidade das classes D e E do país.

Em tempo: acredito no desenvolvimento de um Brasil com forças regionalizadas. Nesse contexto, acredito no crescimento do Nordeste para a formação de uma nova potência consumidora, empregadora, produtora e formadora de opinião. Crescimento esse baseado no aumento do poder de compra das classes C, D e E até então reprimidas, nos benefícios fiscais regionalizados, no aumento de oferta de crédito justa (O Banco do Nordeste não só atraiu grandes emprendimentos lá em cima, como também incentivou o desenvolvimento local através de linhas de microcrédito sustentáveis: segundo pesquisas da FGV, 60% dos clientes do programa de financiamento Crediamigo - eleito nada mais nada menos pelo BID, referência em microcrédito sustentável - conseguiram sair da linha de pobreza em razão dos benefícios advindos do microcrédito). Chega de um Nordeste baseado em grande escala de mão de obra barata e informal1, potencial fábrica de votos ou como uma África onde a fome não é erradicada por questões geo-políticas e financeiras.

E como a discussão é, no fim das contas, definido por um voto no próximo  Domingo, alguns posicionamentos finais: Não tomo decisões partidárias. Apesar de me ver seduzida por um governo de oposição e pelo que ele deveria provocar, o papel de oposição do PT de outrora perdeu-se face a tantos escândalos. Não gosto do Serra. Tenho medo da Dilma no poder. Voto a favor de uma economia acelerada, crescente, pautada em pilares econômicos estabelecido pelo governo FHC e focada na potência econômica que o Brasil vem a se tornar no médio e longo prazo - "a menina dos olhos do bloco BRIC".  Mas sou a favor de um governo que abra mão de alguns dígitos a mais do crescimento do PIB em razão de questões sociais sérias do curto prazo. O Bolsa Família fez isso, portanto leva meu voto. Conversamos daqui a 4 anos...

E pra não dizer que não falei das flores... Geraldo Vandré:  "Pelos campos há fome em grandes plantações. Pelas ruas marchando indecisos cordões. Ainda fazem da flor seu mais forte refrão. E acreditam nas flores vencendo o canhão..."





1. Um pouco mais sobre informalidade no trabalho: Me incomoda ouvir da classe empresária (ou de nós, “burgueses”) que o Nordeste deixa de ter a atratividade inicial por ter perdido esse grande ativo do Nordeste, graças ao Bolsa Família e à preguiça generalizada nordestina. Ou nem precisamos ir tão longe: Quer ver o preço da informalidade em São Paulo capital? Aqui, vale destacar que não me orgulho, mas participo da informalidade trabalhista.
 
Minha diarista Ana, ganha 60 reais por faxina e tem todos os dias da semana tomados, logo 1.200 reais líquido. Eu e os demais “patrões”, não pagamos os devidos direitos – 13º, INSS, férias. Assumindo um percentual de encargos trabalhistas estimado em 50%, temos 600 reais que deixamos de desembolsar “graças” a informalidade. Agora de volta ao Bolsa Família. A Ana sustenta 2 filhas menores de idade e devidamente matriculadas na escola. Como não tem salário formal, mesmo com a renda per capita da família maior do que a habilitada a receber o benefício, sua família tem direito ao programa. Não fosse a dificuldade cadastral – um dos vários pontos a melhorar do programa - ela receberia no máximo 200 reais. Quem sou, ou qualquer um que alimenta esse trabalho informal, pra criticar que sai dos nossos bolsos os recursos necessários para sustentar o Bolsa Família?

Daí surgem os questionamentos: "Mas quem disse que eles querem a formalidade?". A resposta correta seria "Pois então não contrate, não alimente essa informalidade, que um dia a mesma deixará de existir". Esses dias num café com meu amigo Rafa, ele me deu essa luz. Disse que quando casasse e tivesse sua casa não contrataria faxineira sem carteira registrada. Que para um apartamento pequeno não necessitaria contratar ninguém, aliás. Ele mesmo limparia seu apartamento, pintaria sua parede, instalaria seu móveis, não mais pagaria pra manobristas na rua olharem seu carro, ele mesmo lavaria seu carro todo fim de semana. Eliminando uma classe trabalhadora de mão de obra braçal, barata e informal, o Rafa propõe um modelo semelhantes aos países desenvolvidos, onde essa classe de trabalhadores não existe ou fica a cargo de aspirantes estrangeiros dispostos a tentarem a vida em Euros. Claro que ele ainda não conseguiu abolir todas as formas de trabalho informal à sua volta. Desde essa conversa fiquei provocada com isso e tentado o mesmo. É complicado abrir mão dessa forma de conforto e economia, mas vale pensar no assunto... 

16 comentários:

  1. Muito interessante esse post! Gostei bastante!
    Na minha opinião, o Bolsa-Família deve ser medido apenas através de indicadores de educação!
    Se os níveis de escolaridade, e principalmente, as notas e os índices de aprovação em universidades públicas aumentarem, bom.. aí passarei a acreditar no programa!
    Mas ainda assim, essa estatística precisa de muita cautela! Porque no sistema de hoje é possível (e muito normal até) encontrarmos alunos na oitava série sem saber ler e escrever corretamente, pois a reprovação foi extinta das escolas públicas! Então o fato de passar de ano não é mais válido!
    Se esses indicadores forem confiáveis e positivos então serei a favor ao Bolsa-Família. Caso contrário, continuarei descrente que distribuir renda desta maneira seja certo, e que na verdade, não passa de uma política "panis et circenses" do império romano!

    ResponderExcluir
  2. panis et circenses na Roma, ajuda feudal no Brasil desde os primordios.

    Acredito na educacao de base, mas nao basta alterar os indicadores (ja um tanto duvidosos). O modelo educacional precisa evoluir muito a ponto da fome e condicoes serias de uma realidade q a gente nao ve serem condicionadas a indicadores mais complexos.

    Voto investimentos agressivos em educacao em Dzero para resultados no medio/longo prazo.

    Em paralelo, o modelo "esmola" tem q vigorar (com ou sem disputa politica) ate desligar a classe preparada para o mercado d trabalho. O agravante é que mal conseguem controlar uma base "simples" e unica... mas relax q nem Serra nem Dilma falaram em melhorias no modelo... Senta espera e chora, vamos ver oq vem pela frente qndo o assunto é Bolsa Familia. Medo das manobras politicas...

    tks pelas discussoes Mari! bjao

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Excelente post, Lili!

    Bastante lúcido e ponderado, o que considero um "respiro" neste mar de fanáticos cegos de ambos os lados que inundam a agenda política atual.

    Também sou extremamente favorável a mecanismos sociais de transferência de renda, mas, como você bem lembrou, acredito que seja CRUCIAL que eles estejam vinculados a políticas sustentáveis de desenvolvimento da população mais pobre, ou seja: EMPREGO (que diminuiu entre os pobres no governo Lula: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+brasil,desemprego-cresce-entre-os-mais-pobres,38617,0.htm ) e EDUCAÇÃO. Sem estes dois pilares, o crescimento é ilusório e pouco sustentável.

    Não conhecia o blog, vou seguir =)

    Beijinhos, Lívia

    ResponderExcluir
  5. Li, obrigada pelo lúcido e ponderado. Confesso que parte da minha "preguiça política" nessa eleicão deriva desse fanatismo q insiste em tornar essa eleição numa briga de fracos e fortes, intelectuais e ignorantes. Ninguem mais discute política e propostas, o foco dessa eleição foi uma briga de imprensa x presidente, ataque aos pontos vulneraveis da oposiçao, luta da classe intelectual x elitizados... triste. hj vi o PT abordando em longos minutos de tortura no horario eleitoral o episodio do Serra e a bolinha de papel!

    Gostei da reportagem, caso tivesse conhecimento desse fato teria destacado esse ponto substancial. Só prova que o modelo tem, sim, que evoluir e criar um mecanismo de conectar bolsa x emprego. A noticia triste é q nem Dilma nem Serra mencionaram estrategia pra isso... Nao quis mencionar no post, mas a unica q falou num mecanismo mais inteligente pro modelo foi a Marina. E pelos proximos anos nao teremos o prazer dela no governo.

    Obrigada pela contribuição pra discussão. Imaginei q vc ia gostar do post. =)

    prometo um ou outro post de assuntos mais sérios e densos no meio de tantas viagens leves e deliciosas!

    bjao

    ResponderExcluir
  6. Lili,

    Tambem sou favoravel ao Bolsa Familia, como bom social democrata devemos pensar sobretudo em como darmos oportunidades para as pessoas mais pobres deixarem a pobreza. O problema do Bolsa Familia é que ele dá o dinheiro, mas não há oportunidade. Só não ficou claro quem voce acha mais capacitado para comandar o pais? Serra ou Dilma? :-)

    ResponderExcluir
  7. De acordo, Massera. Vamos escrever um modelo ideal e factivel do Bolsa Familia e mandar pra aprovacao na Camara?!

    haha ja discutimos isso hj... "Há uma teoria em microeconomia que diz: excesso de informação atrapalha na tomada de decisão". Welcome to my world

    Tao mais facil ser ignorante dos fatos... deixe-me na minha Suiça des
    confortavel ate Domingo enquanto tomo minha decisao.

    bjs qrido!

    ResponderExcluir
  8. É isso aí, Lili! Marina em 2014, é nóis! =D

    No meu blog, também pratico a proporção de 90% de viagens leves e deliciosas, e 10% de assuntos sérios e densos rs... dá uma passadinha lá depois, se tiver vontade: http://meninanaopode.blogspot.com/


    Beijocas

    ResponderExcluir
  9. ;D nao sei do meu voto domingo, mas ja sei em qm voto daqui ha 4 anos.

    Li, as tirinhas sao de sua autoria?! Uau! aderi! vou incluir nos blogs recomendados. curti!

    bjs

    ResponderExcluir
  10. Liliane, parabens pelo seu blog. Achei muito interessante seus olhares que vão alem da superfície que muitos vêem!
    Voltarei sempre que possivel ... espero sua visita www.alemdoneblina.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  11. Obrigada, Bruno! Vou dar uma olhada no seu blog. bjo

    ResponderExcluir
  12. São sim, Lili! Que bom que gostou, valeu! =)

    ResponderExcluir
  13. Lili....adorei seu blog!
    Esse post ficou muito bom! parabéns!
    Precisamos muito de pessoas com opinião, pois mais de 1 milhão votou 2222... realidade tensa!
    beijos...

    ResponderExcluir
  14. Que bom que gostou, Dani. As aulas de Filosofia e História do Laureano não foram em vão, né? Bons tempos, belas discussões. bjao minha querida

    ResponderExcluir
  15. Lili, seguem mais alguns dados para enriquecer a discussão:

    http://pt-br.governobrasil.wikia.com/wiki/Governo_Brasil_Wiki

    ResponderExcluir
  16. Lili....adorei seu blog!
    Esse post ficou muito bom! parabéns!
    Precisamos muito de pessoas com opinião, pois mais de 1 milhão votou 2222... realidade tensa!
    beijos...

    ResponderExcluir