domingo, 14 de agosto de 2011

O passado sangrento e recente de Camboja

35 anos se passaram e a marca de um dos genocidios mais crueis da Historia continua estampada nas ruas de Camboja: Criancas e adultos com membros amputados, cadeiras de rodas e muletas em excesso, o risco eminente de minas ativas nos campos de arroz e sitios arqueologicos, pobreza generalizada, demasiado pedido de esmola, historias tristes por tras de um sorriso timido e sofrido. 

Abril de 1975. Sob lideranca do ditador Pol Pot, o partido de esquerda Khmer Rouge toma o poder. Com pretextos marxista/maoista para os mais hediondos atos, o novo governo institui o comunismo, a destruicao em massa, o exterminio de uma nacao. A populacao da capital Phenon Phen foi arrastada ao campo, na tentativa "bem-sucedida" de uma sociedade (escrava) agraria voltada a plantacao de arroz. Fim do papel-moeda, do mercado livre, das praticas religiosas, das influencias estrangeiras. Escolas, hospitais, bancos, monumentos budistas destruidos. Minas instaladas ao longo do territorio cambojano. E finalmente, exterminio das classes opositoras. Leia-se minoritarias,  primordialmente classe intelectual (como impor ideiais aos que detem conhecimento?). Entre professores, diplomatas, monges, ministros, artistas, estrangeiros ou simples moradores da cidade grande, a matanca chegou a marca de 3 milhoes, algo em torno de 30% da populacao cambojana. Em termos relativos, nenhum outro ditador sanguinario conseguiu tal feito. Nem Hitler, nem Stalin, Pol Pot foi "o cara". 

O mergulho ao passado sangrento de Camboja comeca pelo Museu do Genocidio Tuol Sleng. O que era inicialmente uma escola, virou sede de interrogatorio, prisao e exterminio dos "opositores". A entrada ao complexo - na epoca chamado Security Office 21 (S-21) - ainda exibe a cartilha de seguranca em vigor no periodo sangrento. Frases como "While getting lashes of electrification you must not cry at all" nos lembram a razao de estarmos ali. É so o comeco. A cada sala de aula que se entra, fotografias de homens, mulheres, idosos, criancas, bebes que por ali passaram. Celas e solitarias adaptadas. Tela de arame enfarpado nos andares superiores para evitar o desesperado suicidio.  Instrumentos de tortura, descricao dos metodos de tortura, fotos de tortura.  E quem precisa de estimulos visuais quando cenas de um passado recente e brutal insistem em pipocar na mente e lhe embrulhar o estomago? O ar fica denso e a tristeza é palpavel. 




A 15 Km dali, um novo cenario de horror: o campo de concentracao Choeung Ek, para onde eram encaminhados os prisioneiros da S-21 rumo a morte. De joelhos, maos amarradas, olhos tapados, recebiam um golpe quase fatal na nuca, muitas vezes seguido de decaptacao com um facao. Os oficiais sequer aguardavam o padecer final e jogavam centenas de corpos, um sobre o outro, em grandes valas cavadas no chao. As escavacoes, analises dos ossos e reconstituicao dos fatos tece um cenario ainda mais chocante: Marcas de espada e objetos pontiagudos nos cranios. Corpos de mulheres decaptadas segurando seus bebes. Sepulturas coberta de corpos de criancas. Bebes assassinados por arremesso nas arvores. 

Nem a belissima paisagem verde cambojana apaga a lembranca de quanto sangue foi derramado sobre (e sob) aquele solo. Mais do que uma homenagem ao que sofreram e padeceram sob o poder Khmer Rouge, a pilha de ossos na torre tem o importante papel de conscientizar o povo cambojano do ocorrido. Criancas, jovens e residentes do campo sao alvo de um projeto cujo o objetivo é evitar que novos golpes tragam de volta o sabor amargo de um passado recente.


Ainda as margens dessa historia sangrenta e seus resquicios (familias desfeitas, pobreza generalizada, centenas de mortes ao ano por minas ativas), o povo cambojano segue com otimismo, sorriso no rosto, estado de espirito intacto. Uma licao de vida. Fecho meu dia com uma feliz ironia: Sob as mesmas arvores contra as quais eram lancados bebes, hoje brincam 3 criancas com um sorriso no rosto capaz de apagar qualquer tristeza do meu dia. Impossivel nao se emocionar.

4 comentários:

  1. Lili, quanta cultura ... show sua viagem !!!
    Isso vai ficar pra sempre no seu sangue, parte de sua vida ... Te amo, bj

    ResponderExcluir
  2. Lili, post de emocionar !
    Lindas palavras para retratar uma historia tao triste !
    Beijos

    ResponderExcluir
  3. Lili...to emocionada...vc ainda vai escrever um livro sobre suas viagens...bjss

    ResponderExcluir
  4. Lili,é a isabela. Minha mãe leu e falou como era chocante. Decidir ler hoje, e confesso que to muito emocionada! Voce soube escrever de um jeito bonito essa história horrível. Eu to realmente emocionada.
    beijos,e bom restinho de viagem!!!

    ResponderExcluir